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"Se eu inspirar uma vida já terá valido a pena." Fernando Lima

Por Ana Floripes - Professora




Nos anos 1990 eu trabalhava no que chamamos de “Classe Especial”, Modalidade da Educação Especial, na Escola Municipal João Bueno de Godoy, Distrito de Vidigal em Cianorte-PR, no turno da manhã; e no Colégio Estadual D. Bosco – EFM, no mesmo município, nos turnos vespertino e noturno. Em uma das turmas do sexto ano, da tarde, havia um garotinho comunicativo, empático, solidário, alegre, gentil, educado, inteligente, extrovertido e muito esperto. Era comum ir ao meu encontro e levar meus materiais até à sala de aula. No caminho íamos conversando. Ele sorrindo perguntava sobre o meu trabalho do turno da manhã. Demonstrava interesse em conhecer os estudantes da Classe Especial.


Em uma das passagens me recordo de algumas atividades realizadas no mês de outubro, semana do dia das crianças. Eu estava arrecadando brinquedos, comentei com ele.


O então estudante Welington Fernando Lima, 11 anos, liderou uma campanha em sua comunidade e em pouco tempo me apresentou seu resultado. Ele e sua turma me entregaram brinquedos, roupas e alimentos. Eu fiquei emocionada! Era uma criancinha se preocupando com outras criancinhas. Estas, invisíveis aos olhos da sociedade. Desde essa época já me preocupava com a demanda da Educação Especial e suas necessidades. Essa experiência me proporcionou diversas aprendizagens e, dentre todas, a maior delas: nada é mais difícil que tornar visível as causas invisíveis. E posso afirmar enfaticamente que a situação da invisibilidade social é extremamente cruel. Então, no decorrer dos anos seguintes, começou-se uma verdadeira batalha, que se estendeu até o ano de 2016, quando da implantação do Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil de Cianorte - Capsi -, através de medida judicial. O Ministério Público trabalhou intensamente na causa. Havia a comprovação por escrito proveniente do sofrimento psíquico aos quais os estudantes eram submetidos por falta de tratamento e acompanhamento adequados. Absurdamente, naquela época era comum se encaminhar os adolescentes com qualquer tipo de transtorno psíquico para os Hospitais Psiquiátricos, sem nem mesmo antes ofertar atendimento especializado, e, claro, em consequência disso era que o quadro da patologia invariavelmente se agravava. O único local que frequentavam diariamente era a escola. E muitas vezes fomos testemunhas de histórias onde não houve finais felizes, pois muitas vezes perdíamos estudantes para o irremediável tipo de perda, que é suicídio.


Foi um período de sofrimento que palavra alguma aqui pode expressar. Com o passar do tempo, com um pouco mais de conhecimento técnico, conseguíamos levantar indicativos de estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA), todavia, sem o apoio da área da Saúde. Devido ao aumento dos casos agora identificados, principiou-se um outro movimento: a conscientização do autismo na comunidade escolar. Com isso, a partir do ano de 2012, houve um planejamento minucioso de ações no Colégio Estadual Igléa Grollmann, de Cianorte-PR, para atender a demanda escolar. Entretanto, as dificuldades aumentaram porque no município não havia (e não há) uma equipe multidisciplinar qualificada para contribuir com a tarefa: profissionais que possam identificar, encaminhar e acompanhar os estudantes no espectro autista e os seus familiares. Por isso, há 10 anos estamos engajados no trabalho de apresentar aos gestores públicos a necessidade da criação de um Centro Especializado em Autismo. Cabe ressaltar que, nesse assunto, nem a melhor Escola do mundo quanto ao atendimento especializado dos estudantes na condição mencionada, substitui os profissionais da área da Saúde.


A Escola, obviamente, é de fundamental importância para ajudar a sanar esta e outras feridas sociais, mas não consegue resolver nenhum problema sozinha. É ser redundante dizer, mas nenhum problema que envolve múltiplas variáveis pode ser resolvido sem esforços multissetoriais. Em nossa realidade, em Cianorte, temos notado que a consequência direta disso é que os diagnósticos – quando realizados - são feitos tardiamente, principalmente por falta de equipe multidisciplinar. Com isso, pessoas que se encontram no espectro autista são submetidas a sofrimentos que poderiam perfeitamente ser minimizados se somássemos esforços profissionais, mas com a viabilização de políticas públicas realmente comprometidas com a saúde mental, o que infelizmente ainda não faz parte da nossa realidade. Continuamos, portanto, lutando sozinhos. Sem a participação do setor da Saúde, a Educação poderá até mitigar alguns problemas, mas não os resolveremos de fato. E isso talvez seja ainda mais angustiante. De mãos atadas, adoecem eles, nossos alunos; e adoecemos nós, educadores. Ou seja, não resolvemos um problema e fazemos surgir ainda outros. Evitamos aquilo que chamamos de “gasto” de dinheiro público agora para “gastar”, como em um efeito cruel de dominó, ainda mais depois. É uma contabilidade administrativa que não tem, absolutamente, nenhuma lógica. Se é que é de lógica administrativa a justificativa de algumas demoras que são urgentes.


No processo desses longos anos perdemos estudantes para depressão, suicídio, drogas, dentre outros males que poderiam ter sido evitados. Até que houvesse algo nunca esperado: pela primeira vez perdemos um estudante para o desaparecimento.


Foi nesse contexto que reencontrei aquele meu ex-aluno do início desse relato, após 26 anos. Era novembro de 2021. Naquele contexto, havia um estudante nosso, Hayslon Miguel Valim de Oliveira, 16 anos - com indicativos de TEA -, desaparecido. O sumiço do Hayslon ocorreu em 23/10/2021. E, infelizmente, ele encontra-se desaparecido até a presente data. Fui procurada por Fernando Lima. Ele estava realizando um projeto de seus sonhos: o “Programa Vida que Inspiram”. Ele queria me entrevistar. Um misto de emoção explodiu em mim. Pensei que seria quase impossível atendê-lo naquele momento de inominável angústia pela qual estávamos passando. Mas, também seria difícil dizer não. Em uma fração de segundos me reportei àquela sala do Colégio Estadual D. Bosco, atualmente na categoria de Colégio Cívico-Militar. Na manhã do dia 05/11/2011 estávamos no Parque Cinturão Verde procurando pistas sobre o desaparecimento do Hayslon. De todo modo, à tarde, estava agendada a entrevista.







Eu fui e, novamente, estava à minha frente aquela criança (o pequeno Fernando) de minha memória, só que agora um homem. O assunto da pauta era sobre a população infantojuvenil invisível aos olhos da sociedade. A conclusão a que chegamos era que, se antes arrecadávamos brinquedos, agora passamos a chorar por termos a certeza de que a invisibilidade, contraditoriamente, deixa rastros visíveis de perdas e sofrimentos. Nós sabemos disso muito bem porque vivemos isso todos os dias. E posso confessar: é desumano; e mais: é desumano e cruel!







Professora Ana Floripes e Fernando Lima


"Professora, casada com Luiz Roberto, mãe do Luiz Roberto Junior, apaixonada pelas belezas naturais, admiradora do Por do Sol, Considerada um ícone na Luta por direitos igualitários para crianças Especiais na Educação, apaixonada por Humanização… Confira esta Entrevista com Ana Floripes Berbert Gentilin uma VIDA INSPIRADORA...!" Acessem ao link: https://www.youtube.com/watch?v=gN5r5zNuIJw&feature=youtu.be

Mas qual a principal finalidade dessa introdução? Mostrar que a vida é repleta de encontros, reencontros e desencontros (no caso do Hayslon) e apresentar o talento e o grande trabalho do meu querido ex-aluno Fernando Lima. Ele é apaixonado por Gestão de Empresas, com mais de 22 anos de experiência, na área de marketing. Acessem ao link: https://www.facebook.com/fernandolimaconsultoriaetreinamentos


Ademais, aproveito o momento para agradecer a todas as pessoas que se somaram ao processo de busca do estudante Hayslon Miguel, principalmente às manifestações carinhosas dirigidas a mim. O pai do adolescente, Sr. Valdecir, o procura todos os dias. As pistas são checadas. Segue um dos manifestos:



Uma carta, um grito de socorro e uma HOMENAGEM!

Por Leonardo Thomaz



Temos um adolescente que hoje está fazendo 16 anos, morador de Cianorte desaparecido por volta de 10 dias. As mobilizações e buscas tem sido protagonizadas por uma professora, SIM, uma professora, uma docente que se preocupa com a vida. Eu quero viver em um universo cujo existam mulheres potentes como a Professora Ana Floripes Berbert. O município de Cianorte deveria estar focado incansavelmente nesta procura. As redes sociais das instituições que nos gestam deveriam ter este caso como prioridade. No entanto é uma professora que está fazendo esta busca com os familiares, utilizando de recursos próprios e ajudas de alguns. As pistas e marcas de sapatos pelas estradas de terra estão sendo examinadas pela professora também, repito uma PROFESSORA. E farei questão de repetir incansavelmente, uma PROFESSORA está a procura de um adolescente autista. Quem conhece sobre autismo sabe quais condições este menino pode estar.


Acontece que, Hayslon é um menino de origem muito simples, não tem um $obrenome conhecido, não tem uma rede social badalada e nem mesmo conhecimento político. Hayslon é só mais um adolescente lançado ao território do desamparo pelas condições sociais e por ser autista. As buscas mais profundas começaram após 8 dias, por parte das esferas policiais do município.


A criança pobre é a estrutura mais suscetível ao desamparo e automaticamente lançada ao território do esquecimento, e a criança/adolescente pobre com transtornos, é jogada no esquecimento de forma mais potente. A demora por parte dos agentes que "zelam pela proteção" é algo muito desesperador. Temos um adolescente desaparecido em meio ao mato e estradas de terra, e deixo salientado mais uma vez: UMA PROFESSORA ESTÁ PROTAGONIZANDO AS BUSCAS!


Professora Ana, não sei se você conseguirá ler a mensagem, mas venho através desta e outras redes dizer, que seu legado neste trabalho é algo jamais visto na história da Educação Brasileira. Você tem exercido uma prática que nos fará repensar todo nosso percurso na docência. Seu legado e seu trabalho nestas buscas é algo que transpassa o pedagógico, os currículos, e toda configuração de um sistema. Eu queria te dar um abraço bem forte agora e dizer que eu REPENSEI toda minha formação como Pedagogo desde que vi, o que você tem feito.





Participação na Reunião da Câmara Municipal de Cianorte, em 08/11/2021 - Acessem aos links: https://www.facebook.com/jb.miotto/videos/651287702700022






A luta é antiga:
Ana e sua missão pela educação inclusiva - Acessem ao link:








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