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Decreto Federal 10.502/2020: revisitando o passado

Atualizado: 28 de ago. de 2021

Por Ana Floripes - Professora



Educação inclusiva: a necessidade de um diálogo orientado para avanços - fonte



“A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele. É, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, preparando-as, em vez disso, com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum.” Hannah Arendt



“Eu acompanhei muitas mudanças, pois comecei a trabalhar em escola no ano de 1986, e grandes conquistas foram alcançadas. Exemplos: antes os estudantes eram separados mesmo frequentando o mesmo espaço escolar como: Sala dos surdos (DA), Sala de Deficientes Mentais (DM), Sala de Deficientes Visuais (DV) e Sala de Deficientes Físicos (DF). Eles ficavam todo o período em sala, sem interagir com os outros alunos, pois eram considerados problemas e devido a deficiência não podiam se misturar com os outros, pois achavam que ninguém os entenderiam. Até o horário do recreio era separado. Com início da inclusão escolar por volta de 1998/99, os alunos foram matriculados em sala de aula regular e os professores não estavam preparados para recebê-los porque não tinham sido capacitados, foi muito difícil para os estudantes e professores. Este ano faz 31 anos que acompanho, houve muitas mudanças e posso dizer que não conseguimos mais classificar o estudante com deficiência, pois aqui no Colégio os alunos convivem juntos, sem nenhum problema. Após anos de trabalho, o respeito tem prevalecido. Eu trabalho na cantina do colégio e procuro acompanhar cada um desses estudantes, em especial, tenho contato com o Bruno, com o diagnóstico de Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), antes ele tinha medo de tudo, mas hoje é meu orgulho, sempre conversa comigo, é carinhoso e respeitoso. Outra é a Maria Clara, com diagnóstico de síndrome de Down, doce menina, todos os dias vem me ver e dar um abraço. Amo receber esse carinho tão verdadeiro. (Zélia Pedro Theodoro - Agente Educacional I - 2016)


“Sou funcionária pública estadual há 26 anos. Trabalhei numa escola durante alguns anos e observei que havia uma turma de estudantes ao qual chamávamos de “deficientes mentais”. Eles estudavam em uma sala que ficava no porão da escola e tinha somente uma professora que os atendiam. Ficavam totalmente separados dos outros estudantes chamados de “normais”. Não tínhamos muito acesso a eles e nosso conhecimento era do senso comum, sabíamos apenas, erroneamente, que tinham alguma “doença mental”. Depois de alguns anos essa sala foi desativada. Hoje trabalho num colégio onde temos estudantes com deficiência, altas habilidades e transtornos globais do desenvolvimento, termo este que aprendi com a professora Ana Floripes. Temos alunos com diagnóstico de Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), altas habilidades, síndrome de Down, deficiência física neuromotora e física. Vejo o empenho da referida professora para que a inclusão aconteça de verdade, ou seja, que atenda às necessidades pedagógicas de todos os estudantes. Observo que o Colégio como um todo abraça a causa da inclusão escolar. O nosso primeiro estudante com TEA que recebemos está tendo um desenvolvimento espetacular. Antes não falava com ninguém e hoje até o interfone do colégio ele quer atender. Enfim, na história vejo que antes eles eram tratados como seres “anormais”, os quais ofereciam perigo e, de certa forma, eram discriminados pela maioria, inclusive por professores, funcionários e estudantes. Hoje o tratamento é de amor, compreensão e com os resultados a admiração é grande, mesmo nas suas limitações conseguem mostrar que estão na escola para aprender e ensinar também, mas de acordo com sua maneira de ser. O bom também é que as potencialidades dos mesmos são divulgadas. A cada dia que passa tenho aprendido com eles. Que pena, anos atrás tínhamos uma mentalidade tão equivocada sobre esse conhecimento”. (Eliane Brazoloto – Agente Educacional II - 2016)





Na década de oitenta, século passado, terminei o curso de Magistério. Na passagem pela minha escolarização até o nível superior não me recordo de ver no mesmo espaço nenhum estudante com deficiência. Quando optei pelo Magistério, tinha a certeza de que queria ser professora. Na minha família: pais, avó, tias, tios, irmã, todos eram professores.


Iniciei a minha profissão como professora na Escola de Educação Especial Leôncio de Oliveira Cunha, de Paraíso do Norte. Em Japurá não havia escola especializada. Então de segunda à sexta-feira nos deslocávamos até a referida Escola. O meio de transporte era uma Kombi. São 65 km de Japurá a Paraíso do Norte. Naquele tempo ninguém utilizava cinto de segurança e eu me sentava próxima à porta, como medida de segurança.


Em seguida, por alguns anos, lecionei na zona rural. A minha classificação, por ser nova com relação ao tempo de serviço, sempre assumia aula perto do Rio Ivaí em classes multisseriadas – 1º ao 4º Ano. Foi bom, me serviu de experiência. As crianças todas educadas, solidárias, esforçadas, humildes e humanizadas. Havia as crianças que apresentavam dificuldades de aprendizagem, mas naquele tempo não havia nem cogitação de estudarem as causas. Também não me recordo de ter visto nenhuma criança com deficiência visível nas salas.


Na década de 90, século passado, iniciei meu trabalho no Núcleo Regional de Educação de Cianorte-PR. Por volta de 1998, deparei-me com o público-alvo que frequentava as Classes Especiais: Deficiência Mental (DM), Deficiência Visual (DV), Deficiência Física (DF), Deficiência Auditiva (DA), Condutas Típicas (CT). Todos os estudantes nas condições mencionadas estudavam no mesmo espaço físico da escola regular, porém em salas separadas do contexto geral. Nas avaliações psicoeducacionais da área da deficiência mental, a esmagadora maioria dos estudantes, não tinha a deficiência mencionada e sim dificuldades acentuadas de aprendizagem que com o tempo se agravaram por falta de intervenções pedagógicas adequadas. Também, não havia atendimentos externos com relação aos distúrbios de aprendizagem. Os estudantes eram encaminhados para as Classes Especiais após algum tempo de fracasso escolar. Os efeitos do mesmo eram visíveis, entretanto, as causas ficavam intocáveis, tanto no ensino regular quanto nas referidas Classes e por faltarem avaliações precisas sobre as causas, muitos estudantes passaram anos fazendo atividades manuais e não se alfabetizaram, como por exemplo, hoje sabemos que poderiam ter dislexia, falha no processamento auditivo, déficit de atenção, hiperatividade, Transtorno do Espectro do Autismo, síndrome de Irlen, etc. Naquele período as crianças com síndrome de Down frequentavam as Escolas Especiais, nas Classes Especiais, ensino regular, essas matrículas eram exceções.


Outros ainda, retornavam ao ensino regular após a avaliação classificatória, mas sempre com idade avançada e sentiam-se constrangidos em estudar com colegas de menor faixa etária. Era necessário retornar ao sistema do ensino regular para receberem a certificação, pois os serviços especializados não certificavam. Fui professora de Classe Especial (DM). As crianças sentiam tristeza quando eram separadas das demais. Era perceptível o sentimento de fracasso. Algumas não entravam na sala e tinham que ser convencidas. Ademais não me recordo, em minha experiência, de ter visto estudantes com a deficiência intelectual, de verdade, matriculadas nas Classes Especiais de Deficiência Mental naquele período. Na verdade, estavam nas Escolas de Educação Especial ou em suas residências e muitos dos estudantes que frequentaram o modelo apresentado, com o tempo evadiram-se da escola ou reiniciaram o estudo em Escolas da Modalidade de Educação de Jovens e Adultos.


Na Classe Especial de Condutas Típicas, eram matriculados os estudantes com transtornos mentais. Eles permaneciam naquele espaço com uma professora, sem os atendimentos e acompanhamentos adequados da área da saúde. A maioria dos professores adoeciam. Esses estudantes dificilmente retornavam à sala de aula do ensino regular. Ou seja, muitos permaneceram sem escolarização. O quadro da doença se agravava dia a dia. Não havia a integração ratificada nas leis da época. Entre os anos de 2011 a 2016 lutamos para implantação e implementação do Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil no município de Cianorte-PR (Capsi), pois os estudantes encontravam-se no ensino regular, mas faltava o atendimento na área da saúde mental e o desempenho acadêmico continuava prejudicado. Os quadros da doença continuavam em processo de agravamento e eram encaminhadas aos hospitais psiquiátricos. Logo, o problema maior não estava na escola e sim na falta de serviços especializados fora de seus muros. Contudo somente a área educação respondia pelo alto índice de fracasso escolar.


A meu ver, esse modelo foi uma experiência daquele momento, porém ficou claro o fracasso com relação aos seus objetivos. Dessa forma, muitos seres humanos fizeram parte das estatísticas desse revés e assinaram sozinhos o mesmo.


No início de século XXI houve o movimento para enfrentar os resultados negativos do modelo da integração e começou o movimento da inclusão dos estudantes em salas comuns. A questão legal apontava a necessidade de mudança: A Declaração de Salamanca (1994) “tem como diretriz que as escolas regulares com orientação inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias e que alunos com necessidades educacionais devem ter acesso à escola regular”. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006), enfatiza sobre os Direitos Humanos e que “são consideradas pessoas com deficiência aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas”. Na sequência foi elaborada: Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva


Seguem links de acesso às legislações: Política Nacional de Educação Especial (1994), Política Nacional de Educação Inclusiva (2008) e Política Nacional de Educação Especial (Decreto de 2020) e Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) para quem se interessar em estudá-las e refletir sobre os momentos históricos: anterior e atual:


Política Nacional de Educação Especial (1994)

Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva (2008)

Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida (Decreto de 2020)


Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996)


Em tempo: tenho uma sobrinha com síndrome de Down e na década de noventa foi matriculada na Classe Especial - DM, em idade escolar. Quando a família solicitou para encaminhá-la ao Ensino Regular, foi uma luta, diziam: "Ela está alfabetizada, mas no ensino regular haverá um momento que vai regredir". Foi uma luta! O preconceito fazia parte da vida escolar dela e da família, infelizmente. Era humilhante!

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